Estudos Bakhtinianos
Círculo de Bakhtin
Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em 1895 em Oriol, na Rússia, onde com sua família passou a infância até migrar para Vílnius e Odessa, na adolescência. Nesta última cidade, graduou-se em História e Filologia no ano de 1918, instalando-se dois anos depois em Vitebsk, para ocupar um dos vários cargos durante sua trajetória de vida, relacionados ao ensino (YAGELLO, 1988).
Ao longo de sua carreira como docente e estudioso dos autores da Literatura e Filosofia russa, Bakhtin conhece outros estudiosos, que se tornam seus amigos pessoais e com os quais passa a reunir-se regularmente ao longo de aproximados 10 anos, em Nevel e Vitebsk, depois em Leningrado (atual São Petesburgo).
O grupo, denominado por autores como Todorov (1981), Yagello (1988), Faraco (2009), Faria e Silva (2013) e Fiorin (2016) como Círculo de Bakhtin “era constituído por pessoas de diversas formações, interesses intelectuais e atuações profissionais (um grupo multidisciplinar, portanto), incluindo, entre outros, o filósofo Matvei I. Kagan, o biólogo Ivan I. Kanaev, a pianista Maria V. Yudina, o professor e estudioso de literatura Lev V. Pumpianski [...] Valentin N. Volochínov e Pavel N. Medviédev”. (FARACO, 2009, p. 13).
De todos os participantes do Círculo, Volochínov e Medviédev foram os amigos mais próximos a Bakhtin. Graduado em Estudos Linguísticos em 1927, Volochínov era professor e gostava de estudar história da música, já Medviédev era graduado em Direito e trabalhava como professor e gestor cultural (FARACO, 2013).
Bakhtin foi o amigo mais próximo destes dois membros do Círculo, porque, de acordo com Yagello (1988), ao retornar a Petrogrado vítima de osteomielite e impossibilitado de exercer suas funções, Bakhtin foi acompanhado por Volochínov e Medviédiev, em Petrogrado.
Animados pelo desejo de vir a ajudar financeiramente seu mestre e, ao mesmo tempo, divulgar suas ideias, ofereceram seus nomes a fim de tornar possível a publicação de suas primeiras obras (YAGELLO, 1988, p. 11). Conforme Fiorin (2016), em 1929, Bakhtin é preso e condenado a cinco anos de trabalhos forçados em Solóvki.
O autor menciona que não se sabe ao certo os motivos que levaram Bakhtin à prisão, o que provavelmente não se deveu a sua saúde precária, dessa maneira, o filósofo russo passa a viver em Kustanai na fronteira do Cazaquistão com a Sibéria exercendo diversos trabalhos relacionados à educação e à escrita. Em 1940, apresenta, no Instituto Gorki, sua tese de doutoramento, intitulada "Rabelais e a cultura popular".
Devido à guerra, não consegue defender sua tese, o que só é feito em 1946. Esse trabalho gera grande polêmica e, depois de muitas idas e vindas, um Comitê encarregado de decidir sobre sua aprovação faz, em 1952, o julgamento final, negando-lhe o título de doutor. Esse trabalho, publicado em 1965, deu-lhe renome mundial (FIORIN, 2016, p. 13, grifos do autor).
Assim como Fiorin aponta que o autor fora reprovado em seu doutoramento, autores como Renfrew (2017) destacam a não obtenção do grau, mesmo depois de muitos anos de pesquisa e aguardo para defesa, como mencionado neste trecho: “embora sua tese tivesse sido apresentada para a defesa em 1940, o mais alto grau exigido para ele ser designado para aquela posição nunca lhe foi atribuído”. (RENFREW, 2017, p. 35).
O autor ainda menciona que Bakhtin defendeu sua tese na tenra idade dos 50 anos, apenas para ser submetido a uma humilhação final (RENFREW, 2017, p. 35). Fiorin menciona que com a publicação da tese sobre François Rabelais, Bakhtin se torna conhecido na Ásia e em parte da Europa, e ganha certo prestígio social entre os estudiosos de seu país. De volta a Saransk, em 1945, é convidado a ensinar Literatura e chefiar o Departamento de Estudos Literários do Instituto Pedagógico da cidade, permanecendo nesta função até 1961, quando se aposentou (FIORIN, 2016).
Dente as obras publicadas, ora por Bakhtin, ora por seus amigos do Círculo, Faria e Silva (2013) destacam: O Método Formal nos Estudos Literários: introdução crítica a uma poética sociológica, Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem, Problemas da Poética de Dostoiévski, Estética da Criação Verbal e Para uma Filosofia do Ato Responsável.
Aposentado de suas funções em 1969, Mikhail Bakhtin volta para Moscou em busca de tratamento médico devido a seu estado de saúde bastante debilitado. Toda sua vida sempre foi bastante simples e sem muitas grandiosidades. De acordo com Fiorin (2016), todos os cargos ocupados por ele foram desempenhados com muito esmero e sem nenhum tipo de vaidade.
Sua trajetória foi marcada pelo ostracismo, pelo exílio e pela marginalidade dos círculos acadêmicos mais prestigiados (FIORIN, 2016, p. 13). Casado desde 1921 com Elena Aleksandrovna Okolóvitch, teve em sua esposa um pilar, um sustentáculo para todas as eventualidades (boas e ruins) que ocorreram em sua vida. Após 50 anos de casamento, Elena falece, fato que levou a saúde de Bakhtin ao extremo e corroborando para a sua morte em março de 1975, aos 79 anos (RENFREW, 2017).
As obras deixadas por Bakhtin ganharam espaço no mundo inteiro, sendo que no Brasil passa a ser conhecido a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980. com a obra "Marxismo e Filosofia da Linguagem", obra mais lida nos grupos universitários, com enfoque para a Filosofia, Sociologia e Linguística. Décadas mais tarde, a autoria desta obra seria finalmente retribuída a Volochínov.
Para muitos, a teoria dialógica do Círculo de Bakhtin ultrapassa essas áreas, pois em vários de seus escritos, questões como linguagem, estética, ideologia, filosofia e sociologia são relacionadas às ciências humanas, suscitando, desse modo, novos olhares de pesquisadores e estudiosos das diversas áreas.
Referência:
SILUS, A; SANTOS, N; A. T. M; PINTO. M. L. Estudos Bakhtinianos e Pesquisa no Contexto da UEMS – Campo Grande. Revista Brasileira de Educação, Cultura e Linguagem (RBECL/UEMS), Campo Grande, V.2, n. 2, p. 85-98, 2018.